Stela Rates
Em círculo, sentados nas poltronas de veludo da grande sala atapetada, os irmãos passavam de mão em mão o porta-retratos de marfim com a foto da mãe vestida de noiva e a caixa de charutos cubanos do pai. Lembravam como eles eram elegantes, generosos, sábios e justos; uma pena terem partido tão cedo, num acidente tão estúpido. Uma das irmãs examinava as joias, experimentava os brincos e os anéis, chorava um pouquinho. A outra, falava das porcelanas, dos cristais e da prataria, enaltecendo o capricho da mãe. O primogênito listava as obras de arte, encantado com o bom gosto e a cultura dos velhos. Discutiam civilizadamente, entre silêncios e pigarros, quem ficaria com o que, ou se levariam tudo a leilão, até que o irmão mais novo abriu a tampa do piano de cauda (queria ficar com ele) e encontrou a cópia de um testamento até então ignorado. Um bilhete anexo dizia que o documento estava registrado em cartório, era irrevogável. Surpresos, pediram ao caçula que o lesse em voz alta. Ao fim da leitura, os irmãos suavam frio. Em discussão acalorada, decidiram por unanimidade ligar imediatamente para o advogado da família e solicitar uma interdição post mortem: os velhos tiranos só podiam estar gagás.